Os correspondentes não são bancários

O correspondente bancário, assim chamado estabelecimento contratado por instituição financeira pela Resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) no. 3.110, de 2003, não presta serviço bancário. Assim, incorreto enquadrar seus funcionários à categoria de bancário e exigir-lhe instalar dispositivos de segurança exclusivos a bancos por força da Lei no. 7.102, de 1983, como porta giratória e vigilante. Atribuir a supermercado, correio, e lotérica obrigações típicas de bancos é um erro jurídico que traz implicações contrárias aos interesses da população destinatária deste serviço, o “desbancarizado”, pois onera a operação de tal forma que o sistema não se auto-sustenta. O efeito é que a população atendida pelo correspondente retornará à marginalidade no acesso a pagamento e recebimento de valores, em aberto desrespeito ao princípio constitucional de redução à desigualdade social.

O correspondente tem desempenhado importante papel no desenvolvimento sócio-econômico. O desembargador Valdemar Capeletti do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª. região destacou tal benefício em acórdão favorável à Caixa Econômica Federal (CEF): “não seria impróprio assinalar o benefício trazido à população pela oportuna difusão das agências lotéricas como correspondentes da Caixa Econômica Federal, facilitando o acesso das pessoas a serviços que antes só eram acessíveis em agências bancárias, como pagamento de tributos e tarifas, além da movimentação de contas correntes e de poupança.”

Embora relevante o argumento social, operadoras do direito sabem da necessidade da base normativa como fundamento nas querelas judiciais. Os argumentos utilizados na disputa destas questões revelam precário conhecimento da lei bancária. Ninguém discute que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é suprema quanto às relações de emprego, nem que as Resoluções do CMN se destinam a regular atividades bancárias. O que se procura demonstrar é que a tutela constitucional do direito dos trabalhadores e da ordem econômica e financeira pode coexistir em harmonia, mas que no caso do correspondente contratado por banco elas não se comunicam nem se contradizem.

Fazer equiparação do correspondente a bancário é inadequado. Primeiro, porque o correspondente não está sob autoridade do Banco Central (BC). As resoluções do CMN, publicada pelo BC, tratam da contratação de correspondente por bancos e não da atividade de correspondente em si, que é regulada por normas de direito privado. É o banco que, ao contratar correspondente, está sob a mira do Banco Central. Segundo, porque o CMN, em seu poder regulamentar, não autorizou banco a contratar correspondente para prestar serviço que se confunda com a sua atividade privativa. A Resolução no. 3.110 é taxativa ao prever que empresa contratada como correspondente está sujeita à penalidade prevista na Lei no. 4.594, de 1964, caso venha a praticar, por sua própria conta e ordem, operação privativa de banco. Assim, no universo fático, tal equiparação do correspondente a bancário gera sanções jurídicas, o que é prova evidente da inadequação de tal equiparação, pois revela seu caráter ilícito.

O cerne da questão está na definição de atividade privativa de instituição financeira (art. 17 da Lei no. 4.595). Instituição financeira é a pessoa jurídica pública ou privada que tenha como atividade principal ou acessória coleta, intermediação e aplicação de recurso financeiro, ou seja, intermediação financeira. O correspondente não faz intermediação financeira.

O correspondente não coleta ao público recursos em nome e benefício próprio: a ele é ilícito encaminhar proposta de abertura de conta a ser aberta pelo banco, e prestar serviço de depósito e saque entre correntista e banco. Na aplicação do recurso, o correspondente encaminha pedido de empréstimo, cuja liberação do valor mutuado ocorrerá em nome do beneficiário. As relações contratuais – abertura de conta, depósito e mútuo – são entre banco e usuário. Ao contratar o correspondente, o banco não o subcontrata para realizar intermediação financeira, não havendo terceirização de atividade-fim. Se assim o fizesse, o banco estaria terceirizando atividade que lhe é privativa, o que é vedado por lei. Reconhecer pagamento de conta, saque e depósito como atividade privativa de banco leva ao absurdo de enquadrar-se loja de conveniência que possua ATM em agência bancária.

Desprovida também de fundamento a obrigação de instalar dispositivo de segurança no correspondente. A Lei no. 7.102 obriga a instalação em estabelecimentos financeiros e não em locais onde haja movimentação de numerário. Se assim o fosse, supermercado deveria ter porta giratória. Determinante à aplicação desta lei é ser estabelecimento classificado como financeiro e, para tanto, o mesmo deve prestar intermediação financeira.

As normas de segurança do trabalho não podem também obrigar o correspondente a instalar dispositivo de segurança, uma vez que hoje inexiste norma regulamentadora que o obrigue a adotá-lo. Não se pode confundir falta de segurança pública com obrigação trabalhista, atribuindo às empresas o dever do Estado de prestar serviço público de polícia. Ao contra-argumentar o Ministério Público sobre insegurança das lotéricas, o desembargador Capeletti entendeu que o assunto peca pela unilateralidade de perspectiva, pois “qualquer pessoa, em qualquer lugar, está sujeita a ser vítima de assaltos a quaisquer estabelecimentos, não só bancários ou financeiros como também comerciais, industriais ou profissionais, para não falar nas invasões de edifícios, condomínios ou simples moradias. O que dizer dos ataques a agências bancárias situadas dentro de instalações militares, ou destas próprias em busca de armas ou munições? Destarte, não atribuo a essa linha de argumentação o relevo emprestado.”

A expressão correspondente bancário não advém de lei e traz confusões. A norma de contratação de correspondente (esta, sim a correta terminologia) se refere a correspondente no país. A lei colombiana adotou a esclarecedora expressão correspondente não bancário. O fato é que, independentemente da nomenclatura adotada, o correspondente não é bancário para todos os efeitos legais.

Kátia Madeira Kliauga é advogada especializada em direito bancário e mestre em direito pela King’s College London.Valor Online
27/02/2007
Kátia Madeira Kliauga